sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Pra Alma Não Voltar


Amanheço em fins de tarde, trinta dias inteiros sem sair daqui.
Passo chuvas e tempestades, vento, fome e frio, sozinho aqui.
Não me deixe, pois meu choro vai inundar tudo nesse lugar.
Não feche essa porta, não vá ainda, não me faça despedaçar.
Pois a dor negra que nesse instante meu peito invade.
Vai gerar lágrimas e meu pranto vai lavar toda a cidade.
E meu pranto lava a alma da cidade

Entardeço, a noite escura me matem distante, me faz sorrir.
E se enlouqueço no meu mundo imaginário, você está aqui.
Não me ameace e não diga jamais, que não vai mais voltar.
Espere, deixe o tempo dissolver em mim a luz do seu olhar.
Não leve junto minha promessa de eterna e bela felicidade.
Ventos guiados por essa solidão espalham caos pela cidade.
E meus ventos expulsam a alma da cidade.

Amanhece e ao sol vermelho a pele quer arder, queimar, sentir.
Enrubesce minhas têmporas, faz a lágrima seca descer, cair.
Talvez eu esteja mesmo preso ao meu sonho de poder amar.
Talvez do baú de memórias boas e sorrisos eu deva me libertar.
E quem sabe até desista de brincar com minha dramaticidade.
Quando a ira do meu sol secar todos os sonhos dessa cidade.
O meu raio de sol secará a vida da cidade.
Pra alma não voltar.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Eu fiz chover


Olhos arrependidos
Eu já conheço essa face pálida e essas linhas descoordenadas
Fui eu quem inventou esse sorriso
Foram as minhas mãos que moldaram e pintaram esses lábios
E o desejo insano dos meus dedos criou-lhe assim
Com essa densidade, essa assimetria, essa misteriosa alma incompreendida.

O sol lastimava a quantidade de nuvens que o impedia de chegar até você
Eu amaldiçoava as crianças que caçoavam da minha criação
Então eu inventei também a ironia e a indiferença
E as coloquei em seu sorriso
Eu tive também que inventar o desapego
Porque eu não percebi que criei você com uma ganância impressionante
Eu não observei que estava criando um monstro

Enquanto o sol não conseguia esticar raios até a terra
Eu vivia para ver-te, me alimentava de sua beleza e estranhice.
Mas você me maltratou, me olhou com desprezo.
Desprezo demais pra um ser sem vida própria
E me negou gestos carinhosos
Ironizou o que eu chamava de amor
Foi indiferente aos meus sentimentos
Indiferente demais pra um ser sem vida própria...

Eu sofria, e as nuvens no céu se dissipavam.
O sol ia ficando mais forte, e finalmente você ficaria pronto.
Petrificar-se-ia, a minha criação, para sempre.
E para sempre eu estaria condenado a aguentar seu gênio
Seus defeitos, suas vontades compulsivas.
Então me desliguei um pouco, fui sonhar.
E sonhei que você era lindo, perfeito.
Que nos momentos que passamos juntos
Eu fui extremamente feliz
Sonhei que você me olhava com fascínio
E o pior de tudo:
Sonhei que você me amava

E no sonho você me amava tanto
Que eu quis provar que te amava igual
E fiz chover Pétalas de rosas em você.
Numa das maiores tempestades de cores e perfumes
Que o universo já presenciou
Eu vi seu sorriso tão nítido no sonho
E estávamos felizes
Nossos lábios se encontravam naquele mar de rosas
As ondas de cores subiam
E já molhavam a curva das suas costas
Acima do seu quadril, onde minha mão estava.

Eu despertei tentando respirar
Enfrentei a água fria até alcançar as escadas
Subi desesperadamente e olhei para o quintal
A enchente dissolveu você em meu terreno
Eu não tenho mais a criatura dos meus sonhos
Nem deu tempo decidir se seus olhos seriam azuis ou castanhos
Quando a água abaixou, nada restou de você.
Nada além da certeza de que se eu sonhasse mais um pouco morreria afogado
A água destruiu o que construí.
Eu fiz chover.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Outubro


Muitas luas se foram e ainda não chegou Novembro
São quase meia-noite e Outubro não quer acabar
Vai continuar se arrastando no tempo e plantando a tristeza
Derrubando as folhas secas sem piedade
Apagando a vela que deixei naquele altar
Fazendo a lua fria ficar mais tempo no céu
Outubro não deixa dormir quem é capaz de sonhar
Se Outubro fosse embora, e levasse a romaria.
Levasse os cânticos tristes, as vozes de adeus.
Eu daria um sorriso breve, e plástico.
Eu colheria os frutos maduros da arvore da felicidade
E os guardaria, organizaria tudo em uma dispensa.
Eu tomaria banho gelado, sentaria nas pedras.
Eu iria ver o por do sol, e o nascer da lua nova.
Eu visitaria meus parentes vivos.
Rezaria pelos mortos de vela acesa
Eu desenharia numa folha branca um pedaço do céu
Se pudesse vê-lo
Se Outubro acabasse agora eu tomaria sorvete de limão
Eu faria a dança da chuva, eu abraçaria um amigo.
Eu deixaria o sol queimar um pouquinho da minha face
Eu tatuaria um arco íris em meu pulso.
Mas Outubro não acaba.
Outubro é duro na queda
Outubro tinge de preto as minhas roupas
Outubro me deixa trancado em casa
As minhas olheiras aumentam em outubro
Passo noites em claro, minha mobília não sorri pra mim.
Os azulejos não mudam de posição
As aranhas tecem pesadelos pelo telhado
Aqueles cuja retina não reconhece a luz desfilam.
Ficam marcas de choro de vela por todo o meu piso
Eu me escondo atrás do abajur, cubro o espelho.
Eu fecho todas as janelas, eu apago as luzes.
Ajeito os travesseiros pra tentar dormir.
Vejo reflexos de luz no emaranhado de pesadelos
Amanhece, amanhece e não posso me alegrar.
Afinal de contas ainda não acabou Outubro.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Queen


A rainha que mora em mim é linda
Cobre a cama com um linho vermelho
Espalha pétalas de rosas sobre o lençol
Acende as velas e incensos
Abre as portas da varanda
As cortinas permanecem fechadas
E deixam passar um pouco só de luminosidade
A rainha se envolve na toalha e passeia pelo quarto
Cantarolando versos de cantigas de amor
Desliza os dedos pelas paredes com delicadeza
Com a sutileza de uma pena caindo ao chão
Seu olhar conta os grãos de areia
O tempo se arrasta nessa tarde de outono
A ventania espalha folhas de macieiras por todo o palácio
As cortinas ainda entreabertas
Uma doçura que transforma furacões em brisas
Um corpo curvilíneo anda pelo cenário
Exibindo-se para as portas retas e janelas quadradas
Como se as provocasse, audácia irônica.
Num dos cantos do quarto da Rainha
Uma tina cheia de vinho do porto.
E ela se prepara para um banho embriagador.
Deixa o líquido avermelhado descer pela pele das costas
Enquanto olha ansiosa pelas brechas da varanda
A rainha demora a sair do banho
Ainda enrolada na toalha desprende os cabelos loiros
Joga-os, ajeita, penteia
A minha rainha se maquila diante do espelho
Coloca cores nas têmporas
Cílios postiços e passa pó
A rainha usa um batom deslumbrante
De um vermelho indecente
Os contornos dos seus lábios são convidativos
A rainha se levanta delicadamente
Por baixo da toalha usa calcinha fio-dental preta de renda
E espartilho preto, com cadarços apertados.
Seus seios saltam do espartilho
Suas joias deixam o colo ainda mais em evidência
Essa rainha tem um Kama-sutra no criado mudo.
Ela é fervorosa, fatal, promíscua.
Mas como ela é linda...
Deita em sua cama, com o olhar em direção á porta.
Espera pelo seu rei amante
Cansada dorme, dorme tranquila.
No outro dia recomeçará todo o ritual
A rainha em mim se prepara para um rei
Que ainda não foi coroado.
E não se sabe quando reinará.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Raízes rasas


Eu nasci numa manhã de lua
Guardei a alma minha, fiquei com a alma sua.
Os ventos movimentavam o caminhar da moça
Ela chorava, e caminhava devagar.
Com seu triste aspecto de dor, ela sorria.
E dava mais um passo, gritos desafinados.
As borboletas coloriam a rua deserta
A moça, a face avermelhada.
Beleza escondida sob as gotas de suor
As mãos apertavam abaixo dos seios fartos
E às vezes, assimétricas se juntavam
Próximas aos joelhos, a moça se encolhe.
E levanta a cabeça, e chora, apertando os dentes
Ainda vermelha, suada, doce e dolorida, sorri.
Sempre soube a dor de gerar vida
Encostada numa árvore de caule fino
E galhas desnutridas, calva de folhas.
Assusta-se com a intensidade dessa dor
Gargalha, se ajeita entre as raízes rasas.
Que se relevam da terra, e marcam o chão.
Saem arrastadas desenhando as linhas do destino
Dos que aqui estiveram, dos que estão, dos que virão.
Trazem nelas todas as marcas de vida, unhas de animais.
Rastros dos cupins e formigas, rachaduras.
Passagens que se dividem em duas, e seguem se dividindo.
E essas raízes que agora machucavam
O corpo da moça.  Vão demarcando a pele
E construindo um sentido pra todos os seguintes movimentos
O encolhimento depois da dor, depois o alívio.
Que a fez se estirar.  E com as costas das mãos.
Tocar novamente a roseira, fazendo voar as borboletas
Arranhando-se contra os espinhos
Entre a madrugada que se arrastava
E a manhã que se anunciava
Através da cor do céu, réplica.
Réplica da cor das têmporas da moça
A lua que não queria ir embora.
E roubava sem o mínimo pudor o lugar do sol.
Estirou até minha face um raio doce como os açúcares mais finos.
E tão iluminado quanto a auréola de um anjo pecador, cuja
Beleza e simplicidade são superiores a qualquer ouro
Mesmo o vindo dos céus, honesto e batalhado.
E o clarão da lua ao tocar minha face, cerrando meus olhos.
Colocou-me no escuro eterno. E me carregou pra junto dela
E hoje pra me expressar e sobreviver no milagre da palavra
Coloco-me na pele de um garoto, quase inexpressivo.
Com nuances de morbidez e alienação
Que convive entre o suave e o proibido
E se rende aos meus encantos
Deixando que eu use o seu corpo (voz e mãos)ao meu bel prazer
Porque eu não nasci anjo
Mas a luz, assim me fez.
E quando for expulso do corpo que uso e abuso.
Eu morrerei numa noite de sol
Levarei suas roupas, pertences, seu cachecol.

Abaixo da Auréola

Minha foto
A fonte de inspiração que sobrevive aos borrões da cor, a lua que não encontra o sol e mesmo assim depende dele pra se manter clara,a alegria de um poeta ao ver a flor que molda as mais belas palavras e as sintoniza, criteriosamente, para que os admiradores sufoquem-se de beleza, inspirem-se e sonhem, cada dia, mais e mais, eu sou o portador da beleza que há nas palavras.