Olhos
arrependidos
Eu já
conheço essa face pálida e essas linhas descoordenadas
Fui eu quem
inventou esse sorriso
Foram as
minhas mãos que moldaram e pintaram esses lábios
E o desejo
insano dos meus dedos criou-lhe assim
Com essa densidade,
essa assimetria, essa misteriosa alma incompreendida.
O sol
lastimava a quantidade de nuvens que o impedia de chegar até você
Eu
amaldiçoava as crianças que caçoavam da minha criação
Então eu
inventei também a ironia e a indiferença
E as coloquei
em seu sorriso
Eu tive
também que inventar o desapego
Porque eu
não percebi que criei você com uma ganância impressionante
Eu não
observei que estava criando um monstro
Enquanto o
sol não conseguia esticar raios até a terra
Eu vivia
para ver-te, me alimentava de sua beleza e estranhice.
Mas você me
maltratou, me olhou com desprezo.
Desprezo
demais pra um ser sem vida própria
E me negou
gestos carinhosos
Ironizou o
que eu chamava de amor
Foi
indiferente aos meus sentimentos
Indiferente
demais pra um ser sem vida própria...
Eu sofria, e
as nuvens no céu se dissipavam.
O sol ia
ficando mais forte, e finalmente você ficaria pronto.
Petrificar-se-ia,
a minha criação, para sempre.
E para
sempre eu estaria condenado a aguentar seu gênio
Seus
defeitos, suas vontades compulsivas.
Então me
desliguei um pouco, fui sonhar.
E sonhei que
você era lindo, perfeito.
Que nos
momentos que passamos juntos
Eu fui
extremamente feliz
Sonhei que
você me olhava com fascínio
E o pior de
tudo:
Sonhei que
você me amava
E no sonho
você me amava tanto
Que eu quis
provar que te amava igual
E fiz chover
Pétalas de rosas em você.
Numa das
maiores tempestades de cores e perfumes
Que o
universo já presenciou
Eu vi seu
sorriso tão nítido no sonho
E estávamos
felizes
Nossos
lábios se encontravam naquele mar de rosas
As ondas de
cores subiam
E já
molhavam a curva das suas costas
Acima do seu
quadril, onde minha mão estava.
Eu despertei
tentando respirar
Enfrentei a
água fria até alcançar as escadas
Subi
desesperadamente e olhei para o quintal
A enchente
dissolveu você em meu terreno
Eu não tenho
mais a criatura dos meus sonhos
Nem deu
tempo decidir se seus olhos seriam azuis ou castanhos
Quando a
água abaixou, nada restou de você.
Nada além da
certeza de que se eu sonhasse mais um pouco morreria afogado
A água
destruiu o que construí.
Eu fiz
chover.
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