terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Eu fiz chover


Olhos arrependidos
Eu já conheço essa face pálida e essas linhas descoordenadas
Fui eu quem inventou esse sorriso
Foram as minhas mãos que moldaram e pintaram esses lábios
E o desejo insano dos meus dedos criou-lhe assim
Com essa densidade, essa assimetria, essa misteriosa alma incompreendida.

O sol lastimava a quantidade de nuvens que o impedia de chegar até você
Eu amaldiçoava as crianças que caçoavam da minha criação
Então eu inventei também a ironia e a indiferença
E as coloquei em seu sorriso
Eu tive também que inventar o desapego
Porque eu não percebi que criei você com uma ganância impressionante
Eu não observei que estava criando um monstro

Enquanto o sol não conseguia esticar raios até a terra
Eu vivia para ver-te, me alimentava de sua beleza e estranhice.
Mas você me maltratou, me olhou com desprezo.
Desprezo demais pra um ser sem vida própria
E me negou gestos carinhosos
Ironizou o que eu chamava de amor
Foi indiferente aos meus sentimentos
Indiferente demais pra um ser sem vida própria...

Eu sofria, e as nuvens no céu se dissipavam.
O sol ia ficando mais forte, e finalmente você ficaria pronto.
Petrificar-se-ia, a minha criação, para sempre.
E para sempre eu estaria condenado a aguentar seu gênio
Seus defeitos, suas vontades compulsivas.
Então me desliguei um pouco, fui sonhar.
E sonhei que você era lindo, perfeito.
Que nos momentos que passamos juntos
Eu fui extremamente feliz
Sonhei que você me olhava com fascínio
E o pior de tudo:
Sonhei que você me amava

E no sonho você me amava tanto
Que eu quis provar que te amava igual
E fiz chover Pétalas de rosas em você.
Numa das maiores tempestades de cores e perfumes
Que o universo já presenciou
Eu vi seu sorriso tão nítido no sonho
E estávamos felizes
Nossos lábios se encontravam naquele mar de rosas
As ondas de cores subiam
E já molhavam a curva das suas costas
Acima do seu quadril, onde minha mão estava.

Eu despertei tentando respirar
Enfrentei a água fria até alcançar as escadas
Subi desesperadamente e olhei para o quintal
A enchente dissolveu você em meu terreno
Eu não tenho mais a criatura dos meus sonhos
Nem deu tempo decidir se seus olhos seriam azuis ou castanhos
Quando a água abaixou, nada restou de você.
Nada além da certeza de que se eu sonhasse mais um pouco morreria afogado
A água destruiu o que construí.
Eu fiz chover.

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Abaixo da Auréola

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A fonte de inspiração que sobrevive aos borrões da cor, a lua que não encontra o sol e mesmo assim depende dele pra se manter clara,a alegria de um poeta ao ver a flor que molda as mais belas palavras e as sintoniza, criteriosamente, para que os admiradores sufoquem-se de beleza, inspirem-se e sonhem, cada dia, mais e mais, eu sou o portador da beleza que há nas palavras.